A ANAMAGES hoje destaca a história de superação e resiliência do juiz de Direito Dr. Robson José dos Santos, do TJRO. De origem humilde, Dr. José nasceu em 1977, na periferia do Recife (PE), e enfrentou, ao lado dos cinco irmãos e dos pais – ele, gari, e ela, auxiliar de enfermagem –, os desafios para a manutenção de recursos materiais básicos.
Com notório senso de responsabilidade, entre os 12 e 13 anos, Dr. José aproveitava o tempo livre para vender pipoca nos ônibus e picolé nas feiras livres, colaborando com o orçamento da família. Com essa mesma intenção, recolhia alimentos descartados por um centro de abastecimento e os levava para casa.
Aluno de escola pública durante toda a sua vida, antes de ser aprovado no concurso da Magistratura do TJRO, Dr. José exerceu atividades como office boy, auxiliar de escritório, técnico em informática, guarda municipal, bombeiro militar, policial civil, técnico judiciário e analista judiciário do TJPE.
No total, Dr. José prestou mais de 70 concursos públicos (sendo 18 para a Magistratura) e foi aprovado em 12 deles: técnico dos Correios, guarda municipal do Recife, policial militar (PE), bombeiro militar (PE), policial civil (PE), policial penal (PE), PRF, oficial de justiça federal, técnico judiciário, analista judiciário (TJPE) e juiz de Direito (TJRO) – concurso para o qual dedicou 12 anos de sua vida.
O magistrado já respondeu pelas comarcas de Alta Floresta do Oeste, São Francisco do Guaporé, Costa Marques, Ouro Preto do Oeste, Presidente Médici, algumas varas cíveis e criminais de Ji-Paraná e segue como juiz substituto.
Dr. José considera que ser juiz de Direito nunca foi um sonho, mas uma promessa de vida. O magistrado garante que as dificuldades moldaram sua sensibilidade e empatia pela realidade alheia e compreende que o pensamento de Protágoras ("O homem é a medida de todas as coisas: das coisas que são, enquanto são, e das coisas que não são, enquanto não são") reflete sua maneira de enxergar o mundo. Nesta semana, o magistrado conversou com a ANAMAGES. Confira:
ANAMAGES: Como o senhor compreende os percalços na carreira?
Dr. José: A magistratura é um desafio que exige muita dedicação, atenção, humildade, sensibilidade e compreensão do próximo, visto que lhe é dada a tarefa de julgar, em nome do Estado, conflitos entre seus semelhantes e impor uma decisão que, por regra, desagrada uma das partes.
Dito isso, é preciso esclarecer que eu não sou pura e simplesmente um magistrado. Sou um magistrado de pele negra, fato que diferencia bastante a resposta dada à pergunta formulada, caso ela fosse respondida por um magistrado não negro/pardo.
Eu diria que o meu maior percalço é a dificuldade de ser aceito como um “juiz de Direito” por aqueles que estão à minha volta. Digo isso com o coração partido, mas, ao mesmo tempo, com muita compreensão da complexa teia do tecido social brasileiro.
O Brasil foi o último país da América Latina a abolir a escravidão e lançou a população negra à própria sorte, resultando em um abismo educacional e econômico entre pretos e brancos neste país. A cultura popular aceita facilmente um negro varrendo o chão do fórum, limpando os banheiros ou servindo café.
No entanto, ao ver um negro sentado na cadeira reservada ao “JUIZ”, muitos não conseguem compreender. Há um choque sináptico nos neurônios que os deixa catatônicos. Não os culpo; não fazem isso por dolo ou má-fé! Está introjetado no ideário popular que aquele lugar pertence tradicionalmente a uma pessoa branca.
Já trabalhei 16 horas seguidas sem parar, já viajei 400 km para chegar a uma pequena cidade do interior e realizar uma audiência, já passei apuros nas estradas do interior, mas afirmo, com muita convicção, que esses percalços doem muito menos do que me vestir como magistrado, falar como magistrado, assinar como magistrado, me apresentar como magistrado e, ainda assim, não ser aceito como um.
ANAMAGES: O que essas dificuldades e desafios o ensinaram?
Dr. José: Essas dificuldades têm me ensinado, com muita humildade, que devo tentar mudar essa realidade, plantando sementes de igualdade para que todos saibam que a cor da pele não define quem você é.
ANAMAGES: Qual foi a sua maior inspiração para nunca desistir?
Dr. José: Primeiramente, Deus. E, abaixo d'Ele, meu pai, que era analfabeto, sempre exerceu ofícios braçais e nos chamava a atenção, a mim e às minhas irmãs, para que estudássemos. Ele dizia: “Estude para ser alguém na vida! Do contrário, vai acabar como eu, trabalhando no pesado.” Segui seus conselhos e não quis pagar para ver o quão pesado seria o trabalho sem os estudos.
ANAMAGES: Que sentimento preencheu o seu coração na ocasião de sua aprovação no concurso para juiz de Direito do TJRO?
Dr. José: Para além de muita alegria, a certeza de que não cheguei aqui sozinho! O sentimento de vitória era compartilhado com todos os familiares e amigos próximos que sempre acreditaram que era possível chegar lá. O primeiro – e, por enquanto, único – juiz da família nos últimos 500 anos (todos os meus familiares são afrodescendentes).
ANAMAGES: Observando a sua própria trajetória, o senhor considera que todo o esforço foi recompensado?
Dr. José: Sem dúvidas! A magistratura é uma das carreiras mais prestigiadas em todo o planeta e sempre será. No entanto, a maior recompensa é ser investido em um cargo que me outorga a nobre função de entregar justiça aos que dela precisam.